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Para aqueles que podem estar lendo isso em outro idioma, cabe explicar a expressão Escolha de Sofia. A expressão tem sua origem em um romance de mesmo nome, escrito por William Styron, no qual a protagonista, Sofia, é uma mãe forçada a fazer uma escolha impossível: cabe a ela escolher entre a sobrevivência de seu filho ou de sua filha. Não lhe é permitido escolher a ambos, com o sacrifício de sua própria vida (o que seria a escolha da maioria das mães). Caso se recusasse a escolher, os dois morreriam. Por isso, a expressão ‘escolha de Sofia’ tem sido aceita na cultura americana como um paradigma da escolha impossível.
É a mais expressão mais apropriada para nossa atual situação.
Segundo os relatórios da polícia, testes laboratoriais bem sucedidos extraíram amostras viáveis de DNA do tecido de aproximadamente 50 corpos de vítimas do voo 447. A extração comprova que o DNA pode ser utilizado para se identificar os corpos.
Entretanto, no início da semana, dois juízes parisienses encarregados dos resgates, Sylvie Zimmerman e Yann Danielle, decidiram, com relação aos restos mortais, que “com o fim de preservar a dignidade e por respeito aos familiares enlutados, os restos das vítimas que estão muito degradados não devem ser recuperados. Apesar de terem sido realizados testes nos dois corpos recuperados, com o fim de checar a possibilidade de identificação, nenhum outro deverá ser içado”.
Muito embora os juízes tenham decidido que os corpos não devem ser retirados do mar por isso ser muito traumático para as famílias, há familiares que desejam ver seus entes queridos resgatados. Por isso, não ficaremos surpresos se tal decisão for contestada por familiares que considerem ainda mais traumático deixar aqueles que amam no mar; ainda mais agora, quando estão tão perto.
Pode ser que tal decisão não tenha sido definitiva, mas significou que os resgates podem ser suspensos após a realização dos testes.
Apesar de o presidente da associação de familiares, Nelson Marinho, ter dito que “essa operação traz muita esperança às famílias, que agora têm alguma expectativa de encontrar os corpos de seus entes queridos, a fim de lhes dar um funeral adequado”, parece que alguns familiares não querem ter de enfrentar as presentes condições dos corpos.
As famílias e os juízes logo enfrentarão uma escolha de Sofia.
O assunto não seria um problema se:
– os corpos estivessem localizados em um lugar de fácil acesso, de onde não fosse difícil recuperá-los;
– todas as famílias concordassem;
– os testes pudessem ser realizados rapidamente, sob a água e de imediato;
– se os restos estivessem em melhores condições.
Mas nada disso é verdade. Os corpos estão em um lugar obscuro e não ficarão lá por muito tempo, a não ser que algo seja feito para protegê-los. Se não forem recuperados agora, serão provavelmente perdidos para sempre.
As famílias têm opiniões e necessidades distintas. Algumas se encontram transtornadas com o trauma dos resgates, porque os fatos recrudescem o sofrimento iniciado há apenas dois anos. Outras têm alguma esperança de que um funeral normal ajude a encerrar o episódio. Sem dúvida, há aquelas que têm sentimentos profundos, mas não conseguem decidir entre recuperar os corpos ou deixá-los no mar.
Os testes de DNA devem ser feitos em laboratório, levam tempo, e significam que, para uma analise mais precisa, os restos precisam ser recuperados para identificação. E, depois de dois anos imersos em água salgada, sob a mesma pressão suportada pelas caixas pretas, os corpos, que já não se encontram em boas condições, ficarão ainda mais deteriorados com o resgate.
Qualquer que seja a decisão, lembremo-nos de que a lei não é imutável, mas algo vivo. Esperemos, pelo bem das famílias, que aqueles que se sentem aptos a julgar as escolhas dos outros optem, neste caso, por favorecer os desejos de cada família, em vez de se tornarem um obstáculo.
As famílias já sofreram o suficiente.
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